sexta-feira, 27 de junho de 2025

As Romãs Cósmicas, de uma América Latina e de uma Palestina, saqueadas * BARTHES/SP

As Romãs Cósmicas, de uma América Latina e de uma Palestina, saqueadas

No deserto de Atacama, onde o sal canta memórias de oceanos extintos, um velho quebra nozes de romã, com mãos rachadas. Cada semente vermelha é uma estrela madura, caída do ventre da noite. Ele as recolhe, uma a uma, como quem recompõe constelações assassinadas. Seus olhos, duas galáxias descalças, guardam o segredo, _*a luz não pede licença para nascer, mesmo nas covas mais fundas.*_

Os arames farpados do mundo, são teias de aranha sob o sol dos Andes e da Palestina. Enquanto os senhores da guerra erguem muros com dentes de aço, os povos originários, tecem tapetes ouvindo a chuva. Nos campos de concentração modernos, fomes que engolem crianças, cospem velhos, os condenados descobrem, _*a última liberdade humana é um rio subterrâneo.*_Ninguém pode secar o oceano que carregam nas pálpebras. Um mineiro chileno, esqueleto vestido de lama, sussurra ao minério.

_*"Você é meu diário de zinco. Quando me triturarem, minhas palavras florescerão, nos vergéis dos netos que nunca verei."*_

Beijos latinos, palestinos, são pontes. Unem o Atlântico enfurecido, ao Mediterrâneo sonâmbulo, a solidão da Argentina, à dor na Cisjordânia. Nos becos de Buenos Aires, bocas famintas mordem pão sem poesia, enquanto nos palácios de Washington, generais mastigam mapas com fronteiras de sangue. Isabela, costureira de El Salvador, borda crisântemos nas roupas dos desaparecidos:

_*Cada flor, é um corpo que volta. Cada ponto, é uma pergunta não respondida.*_

Mohammed, pescador da Palestina, lança redes no Mediterrâneo ao amanhecer. Capturando peixes-prata e cartas de náufragos.

_*O mar é a grande urna, onde votamos com ossos.*_

As bandeiras, destes espaços geográficos, não são de tecido. São de flores bravias que rompem a alma. Num subúrbio do Rio, meninos jogam futebol com uma bola de meias. Os gols são marcados entre dois tijolos. Quando a polícia invade, transformam-se em estátuas de sal. Um deles, Miguel, de 9 anos, escreve na parede com carvão:

_*Aqui brincamos até que a morte se canse.*_

Sua irmã, Luana, colhe jasmins no lixão. Oferece um à sombra de um avião não tripulado:

_*Toma. Assim você lembra que também é semente.*_

Os imperialistas trocam armas por café. Chamam progresso ao veneno que derramam nas plantações. Mas nas cozinhas de Oaxaca, as avós moem cacau e revolução. Preparam o que arderá como justiça. Enquanto isso, nas salas de controle de Langley, homens de ternos caros apertam botões que apagam aldeias. Não sabem que _*os povos sem medo são fantasmas que assombram a própria morte.*_ Um velho maia em Chiapas conta aos netos:

_*Os conquistadores vieram com espadas. Nós lhes demos milho. Eles roubaram ouro. Nós plantamos sonhos. Agora seus impérios são museus. Nossas sementes são foguetes.*_

Quando a noite cai sobre o deserto, a areia Palestina conta segredos em línguas, que os satélites não decifram. Um guerrilheiro do Hamas, poeta, acampado entre muros bombardeados, abre um livro roubado de uma biblioteca incendiada. Lê em voz alta para os vagalumes:

_*"Quem tem um porquê, vive e suporta qualquer como".*_

Seus companheiros afiam facões. Um deles pergunta:

_*E nosso porquê?*_

O poeta aponta para o horizonte, onde as romãs cósmicas explodem:

_*Vingar os que foram sementes. Ser terra, apesar das ações sinistras dos sionistas, para os que virão.*_

Amanhã, quando os tanques avançarem sobre as praças, encontrarão crianças jogando futebol com sombras de antepassados. Os soldados hesitarão. Ouvirão risos entalados no granito das casas destruídas. E no momento exato em que apertarem os gatilhos, as romãs, do velho do deserto, brotarão em seus uniformes. Vermelhas. Férteis. Invencíveis.

Porque a América Latina e a Palestina, aprenderam que no inferno, _*nunca se entrega a alma. Apenas as emprestamos à eternidade, enquanto tecem novos mapas, com a luz roubada dos carrascos.*_

_*"A liberdade é um pássaro que ninguém pode encarcerar, pois seu ninho é feito do barro dos sonhos coletivos e canta com a voz dos que se foram."*_

_*BARTHES (CABANA)*_
_*RECANTO DAS LETRAS.*_
_*CÓDIGO DE TEXTO:T8366760
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quarta-feira, 4 de junho de 2025

CARTAS HABANERAS * Emiliano José/BA

CARTAS HABANERAS
Emiliano José

Oito dias em Cuba.
Entre o Primeiro de Maio e o dia 8, quando regressei.
Dias enriquecedores.
A provocar reflexões.
Revelo, de pronto, se ainda necessário, quão forte a lembrança de Carla França em Havana.
Minha amada mulher, companheira.
Partiu em agosto.
Fez a viagem definitiva.
Dor.
Profunda.
Não é fácil entender.
Cada um vive a ausência amada de forma singular.
Não há modelo para o luto.
A dor é solitária.
Via Carla a cada passo em Havana.
A paixão dela por Cuba, por Havana, pelo povo da Ilha, alegre, seguro de si, mesmo à frente de inúmeras dificuldades.
Paixão pelo jeito simples daquela gente.
Tinha um desejo: viver na Ilha.
Nas andanças pela capital cubana, agora, estivemos, eu e Jorge Ferrera, no Museu José Martí.
Um dos pensamentos do intelectual e revolucionário: é vergonhoso e inaceitável o esquecimento dos mortos.
Tal pensamento pode dizer respeito às vítimas de ditaduras.
E diz.
Mas, também, às pessoas mais próximas, nossos amores, nosso amor.
Não olvidar os mortos é lembrar o legado deles.
Honrar a memória.
Lembro de tudo Isso quando penso em Carla.
De cada gesto.
Sentimentos solidários e amorosos dela.
Generosidade.
Tive o privilégio de tê-la ao meu lado.
A dor da ausência, ainda muito presente.
Não tenho pressa.
Não quero apressar o rio.
Ela aínda me ocupa.
Deixo a presença dela se fazer.
Ausente seja.
Ausência e doce presença.
Ninguna.
Ainda.
E Cuba trouxe-a.
Feliz, alegre.
Cheia de vida.
Em 2018 e 2019, quando estivemos juntos na Ilha.
Esses oitos dias tiveram, entre tantas coisas, o condão de me trazê-la de volta.
Não a tenho mais.
E a tenho, nas doces recordações das nossas duas visitas à ilha.
Lembrar os mortos.
O conselho de Martí.
Nunca esquecer os amores.
O amor.
Nestes dias, breves, pude sentir novamente a alma da Ilha.
A alma do povo.
Povo protagonista de um autêntico milagre.
Só o ser humano é capaz de milagres
O resto, conversa mole pra boi dormir.
Agradecimentos eternos a Jorge Ferrera, meu anfitrião sempre.
E agora agradecimentos também a Martha, companheira dele, a quem conheci nesta viagem.
Pude perceber o milagre, a capacidade de resistência do povo cubano face ao criminoso bloqueio norte-americano.
Capacidade a se estender por décadas, desde o início da Revolução.
Perceber, também, de raspão seja, os gigantescos desafios dessa pequena nação.
Me desculpem o paralelo: lembrei de Asterix.
Li muito na prisão.
A insubmissa aldeia gaulesa, resistindo ao Império Romano.
Asterix e Obelix, lembram?
Só os maís velhos, creio lembrarão.
Cuba evoca aquela aldeia gaulesa, a recusar-se à rendição.
Face ao Império Romano, perdão, Império Norte-americano, a Ilha jamais se dobrou.
O Império nunca aceitou o triunfo de uma revolução nas suas barbas.
E feita por ousados barbudos.
Não esperava tal resistência.
Tentou uma grande invasão, a de Playa Giron, e foi derrotado fragorosamente.
A resistência à invasão mercenária foi comandada por Fidel Castro e Che Guevara.
O acontecimento só fez consolidar a natureza socialista da Revolução.
Essa natureza é inaceitável para o Império.
E por isso tenta sufocá-la de todos os modos.

MAIS CARTAS HABANERAS
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