quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Viriato Gaspar: Uma nova viagem * LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ/MA

Viriato Gaspar: Uma nova viagem
algo maior do que as lições dos livros: a importância de cultivar amizades. Talvez fosse

verdadeiras não envelhecem.

Elas resistem ao tempo, às distâncias, às transformações


POR LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ

Hoje parti sem sair. O mundo lá fora é apenas reflexo do que não compreendo em mim. O silêncio me chamou pelo nome que nunca usei. Respondi com um verso.

Rezei ao nada. Não por falta de crença, mas por excesso de lucidez. O salmo que escrevi não louvava — ele chorava.

Meu corpo é cais. Mas a alma, embarcação sem vela. O vento que me move vem de dentro, e às vezes sopra contra.

Se o infinito maior é o homem, sou apenas um fragmento flutuante na margem do mistério. Mas sigo navegando. Porque há mares que só existem quando alguém ousa atravessá-los.

Cartografia do Silêncio

Navego em mim. Não há bússola. Só o eco de um nome que esqueci.

O coração — esse astrolábio partido — mede distâncias entre o que fui e o que ainda não sou. Há um deserto onde antes havia fé. E nele, um oásis de dúvida floresce.

Meus olhos não veem, mas pressentem. O invisível é o que mais pesa.

Sou feito de perguntas. De gravetos e ausências. De um salmo que não louva, mas espera.

E se o infinito maior é o homem, sou apenas um ponto flutuante na margem do mistério.

Viriato Gaspar foi um poeta e jornalista brasileiro nascido em São Luís, Maranhão, em 1952 e falecido em Brasília em 18 de setembro de 2025, aos 73 anos de idade.. Sua obra poética é marcada por uma profunda reflexão existencial e espiritual, explorando temas como fé, vazio, transcendência e a condição humana. Um dos seus textos mais emblemáticos é Salmo Zero, uma espécie de antissalmo que questiona, em vez de louvar, e mergulha no silêncio e na dúvida como formas de oração.

Entre seus livros de poesia estão: Manhã Portátil (1984); Onipresença (1986, versão incompleta; versão definitiva em

andamento); A Lâmina do Grito (1988); Sáfara Safra (1996); Fragmuitos de Mim (antologia em preparação)

Sua escrita é lírica, filosófica e muitas vezes marcada por uma linguagem inventiva e provocadora. Ele evoca figuras históricas

e políticas como Honestino Guimarães e Stuart Angel, misturando memória, crítica e espiritualidade.

Trajetória; Jornalista profissional desde 1970. Servidor público aposentado do Superior Tribunal de Justiça. Vencedor de diversos prêmios literários no Maranhão e em Brasília. Participou de mais de uma dezena de antologias poéticas

Viriato Gaspar foi um dos fundadores do movimento literário Antroponáutica, surgido no início da década de 1970 em São Luís, Maranhão2.

Movimento Antroponáutica - Origem: Criado


por jovens poetas maranhenses — Viriato Gaspar, Raimundo Fontenele, Chagas Val, Valdelino Cécio e Luís Augusto Cassas. Ano de início: Por volta de 1971, com encontros no bar "Canto da Viração", no centro de São Luís. Objetivo: Renovar

a poesia maranhense, rompendo com as escolas literárias do século XIX. Influências: Homenagem ao poeta Bandeira Tribuzzi (autor do poema "Antroponáutica") e admiração por nomes como Nauro Machado e José Chagas. Reconhecimento: Publicaram no Jornal do Dia e Jornal do Maranhão, lançaram a Antologia Poética do Movimento Antroponáutica e participaram da Antologia Hora do Guarnicê.

Esse movimento foi uma verdadeira ruptura estética e ideológica, trazendo ousadia poética em meio ao regime militar. Viriato Gaspar, com sua escrita intensa e filosófica, foi uma das vozes mais marcantes desse grupo.

O termo "antroponáutica" — criado por Tribuzzi

— sugere uma "navegação pelo homem", uma jornada interior e poética pela condição humana. Foi essa imagem que uniu jovens poetas como Viriato Gaspar, Raimundo Fontenele e outros em busca de uma nova estética literária no Maranhão.

Etimologia e sentido - "Antropo" vem do grego ánthrōpos, que significa homem ou ser humano. "Náutica" vem de nautikós, que se refere à navegação. Portanto, antroponáutica pode ser entendido como a navegação pelo interior do ser humano — uma jornada existencial, espiritual e poética através da condição humana.

No poema Antroponáutica, Tribuzzi encerra com o verso: "O infinito maior é o próprio homem." Esse verso resume a ideia central: o ser humano é um universo em si, capaz de explorar sua própria alma, seus limites, seus abismos e transcendências. A antroponáutica é essa viagem

— não pelas estrelas, mas pelo íntimo.

A ideia de antroponáutica — a viagem poética e filosófica pelo interior do ser humano — aparece de forma marcante nos poemas de

Viriato Gaspar, especialmente em sua linguagem introspectiva, existencial e muitas vezes espiritual. Ele não apenas escreve sobre o mundo, mas mergulha no "eu" como território de descoberta e inquietação.

Aqui estão alguns exemplos de como essa ideia se manifesta:

Exploração do eu como universo - "Secar por dentro o coração nos medos. Podar os brilhos. Largar as aparências. E o que sobrar no fim é a tua essência." — (Poema: Andando ao léu, com Rumi, pela tarde). Esse trecho é uma verdadeira antroponáutica: um despojamento das máscaras sociais para alcançar a essência do ser.

Viagem sem mapa, sem destino - "Iremos ao luar. Sem pressa alguma. Sem nenhuma intenção ou rumo certo. Nenhum mapa ou farol, nenhum roteiro." — (Poema: O Estrangeiro Soturno).

Aqui, a jornada é interior e simbólica — não há direção externa, apenas o movimento da alma.


Busca por sentido e transcendência - "Não há respostas prontas. Só perguntas. De gravetos e folhas já defuntas." — (Poema XI). A antroponáutica é também a recusa das certezas fáceis. Gaspar prefere o mistério, o questionamento, o silêncio que interroga.

Epifania e revelação - "Epifania de encharcar os dedos no que ninguém ousou nem viu

por onde. Essência. Caber esse orifácil tão difícil." — (Poema: A Ilha). Esse trecho é puro alumbramento: a revelação do invisível, o toque no indizível — uma viagem ao núcleo do humano.

Retrato do poeta como antroponauta - "Quase cego de ver por dentro o fora, meio surdo de ouvir inaudizíveis, de perscrutar silêncios e palavras." — (Poema: Retrato do Poeta Quando Velho). Gaspar se define como alguém que vê o mundo "por dentro", que ouve o que não se diz

— um verdadeiro navegante da alma. Esses versos mostram como Viriato Gaspar encarna a antroponáutica não apenas como

estética, mas como postura existencial. Ele é um poeta que navega o humano com coragem, delicadeza e profundidade.

A influência do movimento Antroponáutica e de poetas como Viriato Gaspar se estendeu para gerações posteriores da poesia maranhense e brasileira, especialmente entre autores que buscam uma escrita introspectiva, filosófica e crítica.

Embora não haja uma lista oficial de "discípulos" do movimento, podemos identificar ecos antroponautas em poetas que vieram depois e que dialogam com essa estética:

Poetas influenciados ou afinados com a Antroponáutica

Luís Augusto Cassas - Embora seja um dos fundadores do movimento, sua obra posterior manteve o espírito antroponauta, influenciando jovens poetas com sua linguagem experimental e crítica social.

Raimundo Fontenele - Também fundador, mas sua produção recente continua inspirando poetas contemporâneos com temas como solidão, transcendência e resistência.

Poetas da Antologia Hora do Guarnicê

- Essa coletânea reuniu os antroponautas com novos nomes da literatura maranhense, criando um elo entre gerações. Muitos desses jovens poetas absorveram a estética do movimento, como: Mário Luna, Valdelino Cécio, Chagas Val

Poetas contemporâneos maranhenses

- Embora não diretamente ligados

ao movimento, autores como Celso Borges, Ferreira Gullar (em sua fase tardia) e Zeca Baleiro (em sua poesia

musical) mostram traços de antroponáutica: introspecção, crítica existencial e linguagem inventiva.

Influência estética e temática; Linguagem fragmentada e lírica. Temas como o vazio, o silêncio, a dúvida e o sagrado profano.

Ruptura com formas clássicas e busca de uma poética do ser.

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