sexta-feira, 15 de setembro de 2023

BRIZOLA E CAROLINA DE JESUS/CAROLINA MARIA DE JESUS * Fundação Claudino Silva/RJ

BRIZOLA E CAROLINA DE JESUS

Entre tantas histórias de Brizola, essa com Carolina de Jesus merece ser muito compartilhada - trago do Memorial Luiz Carlos Prestes.

No livro "Casa de Alvenaria" (1961), Carolina de Jesus registra sua passagem por Porto Alegre e o encontro com Leonel Brizola e sua esposa Neuza Goulart na turnê de divulgação do seu primeiro livro "Quarto de Despejo". Datada em 02 de dezembro de 1960:

"Quando a Dona Neuza Goulart Brizola surgiu fiquei observando-a atentamente. Foi a primeira esposa de governador a receber-me depois que eu saí da favela. Conversando com Dona Neuza percebi que o majestoso palácio que ela habita não lhe envaidece. Achei lindo ela dizer: “Tenho pavor desta casa. O meu esposo é político. E os políticos não têm amigos”. Ela despediu-se. Fui falar com o Dr. Leonel Brizola noutra sala. Perguntei-lhe como vai indo o desenvolvimento do estado. O Dr. Leonel Brizola pediu-me para não envaidecer e não desprezar os pobres:

- 'Você deve voltar periodicamente a favela para não perder sua autenticidade. Você vai visitar as favelas de Porto Alegre e dizer aos favelados que eles precisam e devem estudar. Faça-me esse favor. O meu sonho é acabar com o analfabetismo no estado. O meu carro está a seu dispor”.

Dei uma risada e comentei:
- “Que honra para mim! Estava habituada a andar só de Rádio-Patrulha”.
(...)
Fiquei abismada quando vi as favelas do Rio Grande do Sul. As casas são de tábuas bem construídas. Tem muita água e vários tanques. As mulheres não brigam por causa da água. Algumas pessoas da favela conheciam-me de nome. (...) O que impressionou-me na favela de Porto Alegre foi a quantidade de água. Quando abre a torneira em dois minutos enche-se uma lata. As mulheres lavam as roupas com água canalizada desinfetada com cloro.
(...)
Fomos na Câmara ver o II Congresso Estadual de Vereadores. Estava empolgante. O Governador Leonel Brizola estava presente. Eu disse-lhe:
- “O senhor está me perseguindo”.
Ele sorriu comentando:
- “Não, Carolina. Quem está perseguindo-me é você. Eu cheguei na frente”.

O presidente interrompeu os debates para receber-me. E apresentou-me aos presentes, convidando-me para me dar parte nos debates. Perguntou-me qual é a causa das favelas nas grandes cidades. Respondi:
- “Nós os favelados somos os homens do campo. Devido os fazendeiros nos explorar ilimitadamente deixamos as favelas e vamos para as cidades. E nas grandes cidades, os que vivem melhor são os cultos. Nós os incultos encontramos dificuldades de vida. Mesmo trabalhando na cidade como assalariado, encontramos dificuldades para viver porque o salário não cobre as despesas. Não há possibilidade de pagar uma residência decente. Temos que habitar as terras do Estado.
Fui aplaudida. Meu olhar avuou para o rosto do Dr. Leonel Brizola. Ele estava sorrindo. Autografei alguns livros para os vereadores”.

Fonte: JESUS, Carolina de. Casa de Alvenaria: diário de uma ex-favelada. São Paulo: Editora Paulo de Azevedo, 1961. p. 89-93.
Foto: Correio da Manhã, 19 de março de 1961.
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sábado, 9 de setembro de 2023

DESABAFO DE UM ARTISTA CANSADO * Luiz Carlos Checchia - SP

 DESABAFO DE UM ARTISTA CANSADO

Luiz Carlos Checchia, historiador, dramaturgo e diretor teatral.SP


Depois de muito tempo, a Lei Aldir Blanc entra em tramitação no Congresso Nacional. Todos devem se lembrar dela, surgiu durante a pandemia como forma de atender o setor da produção artístico-cultural, um dos mais atingidos pela catástrofe do COVID-19.


Mas como a vida de artista no Brasil não é mole, 30% do valor destinado à lei foi, por ordem do governo, destinada para o PAC, que é o Programa de Aceleração do Crescimento. Trata-se de um conjunto de ações que visam, como o nome diz, induzir mais velocidade ao crescimento econômico, sendo um de seus pilares a construção civil. E é assim que a Lei Aldir Blanc viu parte de seus recursos serem destinados à construção de prédios.


Alguém poderia pensar que seria algo bacana, mas o fato é que essa subtração distorce completamente o sentido da Aldir Blanc. Além disso, a Lei Aldir Blanc colocará para circular 3 bilhões de reais, o que parece muito, mas lembrem-se que só para agradar o centrão, o governo Lula já liberou mais de 20 bilhões em emendas parlamentares. E isso sem contar a distribuição de ministérios e secretarias. Enfim, há muito mais de onde o governo poderia tirar essa verba para o PAC, ao invés de o fazer dos recursos que iriam diretamente para a produção artística.


Pois bem, com mentiras contadas, tais como dizer que houve “amplos diálogos com os artistas”, “que foi decisão tomada democraticamente” etc, o governo e seus aliados, como a deputada Jandira Feghali, fizeram a proeza de diminuir mais ainda os poucos recursos da Lei Aldir Blanc. A nós, artistas, pouco restou senão reclamarmos o quanto foi possível, mas sem qualquer efetividade.


Mas essa situação tem como elemento de fundo um ponto pouco debatido: a falta de qualquer peso político por parte de artistas, técnicos e produtos culturais. Para explicar o que quero dizer, sugiro que deem uma olhada no que ocorre nos EUA, nesse momento. A precarização do setor fez com que os sindicatos de atores e de roteiristas parassem a produção no país. Filmes e séries estão cada vez mais comprometidos e a indústria cultural a cada dia vê suas “máquinas” parando. Sempre imaginamos que os artistas nos EUA ganham muito dinheiro, mas a verdade é que o número de “astros de Hollywood” é minúsculo se comparado ao número de artistas e técnicos envolvidos. Mas o que é impressionante é que lá, mesmo os “astros” que assinam contratos milionários, estão nas ruas, nas passeatas e nos ato, Susan Sarandon, Daniel Radcliffe e outros estão em manifestações, segurando placas e usando camisetas com dizeres de protestos, todos lutando pelo bem comum das categorias.


Mas aqui, no Brasil… Ah, que lástima. Nosso SATED, atravessa uma luta fratricida, a SBAT quase não opera, a Cooperativa Paulista bambeia, as demais organizações associações, movimentos etc, nenhuma expressa força política capaz de fazer qualquer pressão. Infelizmente, apesar de sermos um país que adora assistir televisão com suas novelas, minisséries, séries etc, com tantos atores e atrizes famosos, não conseguimos organizar todos esses trabalhadores. Particularmente, sou sindicalizado e integro a SBAT, imaginando que um dia, quem sabe, um estalo acontece, uma epifania, um surto de bom senso, sei lá, e então toda essa massa de artistas e técnicos irá compor suas organizações, fortalece-las, impulsioná-las para frente e para cima.


Mas isso passa também por, aqueles que atualmente dirigem tais entidades ou as disputam com unhas e dentes estabelecerem entre si algum tipo de pacto, acordo, armistício para que elas possam canalizar suas forças para seu motivo de existência: serem o instrumento político de categorias profissionais.


Muita gente, como eu, gostaria que tais entidades fossem a ponta de lança da revolução, outros, que se tornassem espaços de novos valores identitários, mas o fato é que sequer conseguem fazer o básico, que é defender os trabalhadores e trabalhadoras que abrigam.


Enquanto isso, os patrões, as emissoras, as produtoras, os governos e tantos mais dilapidam uma lei aqui, um trabalho ali, um cachê acolá, sobrando unicamente aos pobres trabalhadores a certeza de ficarem um tanto mais pobres.


A Lei Aldir Blanc, assim dilapidada, irá agora para o Senado, alguns ainda sonham em reverter essa situação lá, mas o fato é que é praticamente impossível, pois o acordo entre governo e congressistas parece já bastante firmado. E convenhamos, esses 30% para construção civil, num ano que antecede eleições, significa diversas obras acontecendo pelo Brasil que serão utilizadas como propaganda de diversos candidatos.


Eu, em minhas esperanças mais ingênuas, espero pelo dia em que artistas possam deixar de lado suas diferenças para passarem a lutar organizadamente pelos seus direitos. Num país em que novelas, séries e programas de TV são o pilar da cultura nacional, é impossível que unidos não possamos fazer valer algo. 

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