domingo, 9 de julho de 2023

Zé Celso e Silvio Santos * Luciano Fedozzi - RS

Zé Celso e Silvio Santos

A grandeza de uma pessoa também pode ser medida pela pequenez de outras, e não apenas pelos feitos da primeira, quem ela era e o que fez na vida. A trágica morte de Zé Celso – causada por um aquecedor barato em um apartamento simples de classe média baixa – revela o caso emblemático do lugar que a cultura crítica ocupou e ainda ocupa na estratificação selvagem da sociedade brasileira. 


Zé Celso liderou a criação do Teatro Oficina, erguendo-o literalmente do chão em um terreno cujo proprietário representa bem aqueles setores incultos forjados na extração de riquezas sem qualquer compromisso com o destino da sociedade e do país.

 Uma das cenas mais melancólicas, mas também ilustrativas – daquelas que valem a pena mostrar em sala de aula para refletir sobre o capitalismo selvagem do Brasil – é aquela registrada na discussão entre Silvio Santos e Zé Celso sobre o mencionado terreno onde o teatro Oficina está localizado, uma pequena construção estreita e profunda tombada em todas as instâncias da Federação. 

Nela, o septuagenário e riquíssimo Silvio Santos, que pleiteia há décadas a área para a construção de três torres imobiliárias no bairro Bexiga, a fim de engordar ainda mais a sua conta e a da família, aparece como um ser humano pequeno diante do seu pobre contendor, um dos maiores dramaturgos do Brasil. 

O frame é claro, sem nenhuma consideração sobre a Função Social da Cidade e da Propriedade, previstas no Estatuto das Cidades, idealmente concebido para tornar nossas metrópoles menos hostis à vida. 

Não fosse a convicção irredutível do poder do dinheiro a qualquer custo, uma pessoa minimamente moralizada sentiria vergonha dessa cena patética entre a riqueza e a pobreza, entre objetivos e sentidos da vida tão díspares. 

O próprio Silvio Santos em pessoa naquela cena nos dá a ideia de um representante paradigmático de um setor da burguesia inculta, voraz e mesquinha, que se arvorou ao poder novamente nos últimos anos, como o faz de quando em quando em nossa história, dessa vez sem nenhuma vergonha. 

Na cena, a pequenez e a grandeza de cada um e do que representam estão ali instaladas, prontas para serem avaliadas por cada de nós, dependendo dos óculos, da perspectiva e do que desejamos como sociedade. 

Ao Zé Celso, resta-nos agradecer também por isso, por tornar pública essa face do Brasil que nunca desaparece e que nos leva a pensar sobre o que faz os pequenos e grandes homens. Evoé, Zé Celso!

Luciano Fedozzi – Professor de Sociologia da UFRGS, Pesquisador do Observatório das Metrópoles
MAD RODRIGUES - SP

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