quinta-feira, 15 de junho de 2023

O SERTANEJO UNIVERSITÁRIO É PRODUTO DO LADO MAIS SOMBRIO DO AGRONEGÓCIO * Tiago Cardoso/Geógrafo/FCS

O SERTANEJO UNIVERSITÁRIO É PRODUTO DO LADO MAIS SOMBRIO DO AGRONEGÓCIO

A hegemonia do sertanejo universitário no cenário musical brasileiro atual não é produto do talento dos cantores do aludido gênero musical, mas de uma estrutura econômica por trás destes cantores.

O sertanejo surgiu no Brasil em meados do século XX, onde seus artistas cantavam as agruras e os lamentos do campo e da vida rural. Com o processo de urbanização do país em decorrência do desenvolvimento industrial, a música sertaneja tradicional sofreu uma paulatina transformação e já nos anos 1990, o romantismo urbano suplantou a beleza e a pureza do autêntico sertanejo do campo.

Todavia, o que turbinou o sertanejo universitário foi o investimento milionário do agronegócio, que quis criar a imagem do homem de bem e do campo que sustenta a cidade, quando, na verdade, 75% dos alimentos que chegam às mesas dos brasileiros são oriundos da agricultura familiar, ou seja, do pequeno lote de terra. O agronegócio, basicamente, volta-se para exportação, o que é de conhecimento público e notório.

O filme “os filhos de Francisco”, que retrata a heroica saga da dupla sertaneja Zezé di Camargo, quis passar a imagem da meritocracia da vida no campo, fazendo as pessoas acreditarem que as ligações telefônicas de um pai abnegado por seus filhos às rádios provocaram o seu sucesso. Milhões de pessoas viram este filme nas telas de cinema. Entretanto, isto fica apenas no cinema, não condiz com a realidade.

O que ocorre na indústria fonográfica é o famigerado “jabá”, que é uma importância em dinheiro que os produtores pagam para veicularem suas músicas. A empresária da polêmica cantora Anita declarou em entrevista que viralizou que, enquanto tenta pagar um “jabá” para tocar as músicas de seus artistas numa rádio, o agronegócio já as comprou. O resultado é que, em 2021, das dez músicas mais tocadas no aplicativo de música spotify, nove eram sertanejos universitários, com suas músicas cantadas no mesmo timbre e com as mesmas letras: balada, bebedeira e traição.

Ademais, existe um lobby fortíssimo do agronegócio na política nacional. Para que se tenha uma ideia, em 2014, a JBS patrocinou a campanha de 11 partidos políticos e a bancada ruralista fez 24 dos 27 senadores eleitos.

Isto mesmo que vocês leram. Não há uma bancada roqueira, funkeira, pagodeira, etc, mas há uma bancada ruralista, que possui como trilha sonora o sertanejo universitário.

Tudo isto produz uma indústria cultural, a famigerada “modinha”. Não é um sucesso orgânico, natural, é produzido.

Como vocês acham que qualquer dupla sertaneja, hodiernamente, já possui ônibus, jatinhos e milhares de seguidores em suas redes sociais logo no começo de suas carreiras? Fruto de seus talentos? Não. Fruto do investimento pesado do agronegócio, que vê no sertanejo universitário uma forma de alienar as pessoas com letras açucaradas e despolitizadas, ao passo que violam a legislação ambiental, expandem a fronteira agrícola, invadem terras indígenas, promovem o garimpo e assassinam os povos nativos. Vocês acham que os cantores sertanejos são bolsonaristas por acaso?

E o que vemos hodiernamente é o fim do autêntico sertanejo, da música que retratava a vida do campo, dando lugar a uma música urbana, cada vez mais pop e com riffs que lembram mais um pop rock medíocre.

Ademais, o agronegócio compra espaço na mídia (o agro é pop, lembram?), promovem feiras pecuárias, onde promovem duplas sertanejas de “bons moços”, e agro shows, onde dão visibilidade aos cantores sertanejos. Mais que isto, compram emissoras de TV e colocam suas músicas em novelas. Quando um artista de outro gênero poderia ter este privilégio? Um cantor de samba oriundo do morro, um roqueiro de uma banda de garagem? Por mais que tenham um talento superior, não conseguirão emergir na superfície da indústria fonográfica.

Embora sejam esmagadoramente reacionários e “contrários” à polêmica e desconhecida (inclusive por eles), são os cantores que mais recebem recursos públicos, pois, como veio à tona, sabe-se que recebem dinheiro de prefeituras pequenas que equivalem ao orçamento anual de suas pastas de saúde e educação.

Por todas as razões expostas anteriormente, é uma luta desigual com os demais gêneros, não pelo talento, o qual poucos possuem, mas pelo investimento extraordinário do agronegócio.

Mais que isto, a dobradinha agronegócio/sertanejo universitário está promovendo um morticínio da cultura, uma vez que festas tradicionais do São João nordestino estão tomadas por estas duplas, ao passo que o forró perde espaço, só para citar um exemplo. Não é diferente em outras festas tradicionais que nada tem a ver com o gênero, tal como o carnaval.

Espero que, com o que veio à tona, este assalto à cultura e ao dinheiro do contribuinte, a máscara destes falsos moralistas e pseudocantores seja retirada de modo que possamos expor a sujeira por trás deste sucesso.

Particularmente, não escuto destes cantores, pois sei que cada clique representa uma parcela do morticínio cultural e da devastação do meio ambiente.

Tiago Cardoso/Geógrafo/FCS

terça-feira, 13 de junho de 2023

O ódio da Moda * Airton Centeno - FCS

O ódio da Moda
Airton Centeno

O ódio da moda é dos russos. Quem odeia outra coisa, odeia errado.
Odiar não exige nem prática nem habilidade. Odiar é fácil. Não cobra esforço intelectual – pelo contrário, pensar pode atrapalhar o bom curso do ódio. Basta portar-se como uma esponja absorvendo todo o ódio que nos é ofertado. O ódio da moda é dos russos. Quem odeia outra coisa, odeia errado.

Temos excelentes professores desta disciplina que, aliás, não exige disciplina nenhuma. Parte das plataformas de mídia dos Estados Unidos – agências noticiosas, jornais, TV, filmes, rádios, livros, quadrinhos, sites – o melhor ódio encontrável no mercado. Dali esparrama-se pelo planeta. Não há quem explore melhor este filão, fazendo-nos mostrar a pior parte de nós mesmos.

Atingiu um grau de excelência graças ao fato de que cedo madrugou no ódio. Começou adestrando o público interno mas logo ganhou o mundo.

Seu primeiro grande momento tem mais de um século. Em 1915, o cinema estimulou os norte-americanos a odiar os negros. O Nascimento de uma Nação, de D.W. Griffith, é um clássico. Foi o primeiro filme exibido na Casa Branca. É também um dos filmes mais racistas jamais feitos.

Sua exaltação à Ku Klux Klan teve tal impacto que a sociedade secreta que odiava negros, judeus e comunistas ressurgiu com força. Nos anos 1930, odiava-se tanto que, no Sul, até os alunos das escolas eram liberados para assistirem os linchamentos. As vítimas não raro eram castradas e esfoladas até a morte. Vendiam-se postais com negros pendurados em postes e árvores.

Hollywood odiou tantos os índios que todas as crianças acreditavam que os peles-vermelhas eram os bandidos tanto que até escalpelavam os peregrinos. Só mais tarde nos contaram que a prática fora uma ideia dos brancos e que os índios apenas reagiram à maldade. A partir do final dos anos 1950, começa uma lenta reabilitação dos peles-vermelhas.

Veio a II Grande Guerra e russos e alemães viraram alvo preferencial do ódio. Em 1940, nas tirinhas da revista Look, o Super-Homem acabava com o conflito prendendo Hitler e Stalin. Mas aconteceu Pearl Harbour, os EUA entraram na guerra e os russos viraram aliados e amigos para – quase – sempre.

A vilania ficou por conta dos alemães e, sobretudo, dos japoneses. Era o “Perigo Amarelo”. Dentuços, olhos arregalados, traiçoeiros e de aparência repulsiva, os japoneses assim pintados nos gibis foram combatidos pelo Príncipe Submarino e o Tocha Humana. Na guerra também se alistaram Capitão Marvel, Tarzan, Mandrake, Flash Gordon e o Fantasma e outros heróis de papel. Com eles, partilhamos o mesmo ódio.

No Guerra Fria, os russos voltaram à moda com tudo. Os japoneses – que receberam duas bombas atômicas nas cabeças – viraram gente fina. O perigo mudara de cor. Agora era vermelho. É a cor mais temida – e odiada – em filmes como Red Menace (1949), Red Nightmare (1962) e Red Dawn (1984)

O medo da ameaça externa também foi instilado por criaturas quase tão medonhas quanto os russos. Nos anos 1950, as telas dos cinemas do Ocidente receberam uma invasão de seres de outros mundos, todos com a péssima intenção de destruir nosso modo de vida. Os alienígenas serviram como comunistas metafóricos. Tivemos, então, que odiar os extraterrestres porque, assim, odiaríamos os russos.

Como alvos alternativos do ódio pré-fabricado pela indústria cultural juntaram-se os chineses, os coreanos e os vietnamitas. Em 1960, os mexicanos entraram na linha de tiro no épico patriótico O Álamo, onde são exaltadas a virtude e a coragem dos estadunidenses na defesa do Texas, estado que roubaram do México. Mas o ódio alveja quem foi lesado.

Velho caçador de índios, John Wayne mandou-se para o Vietnã em Os Boinas Verdes, de 1968, tentando ganhar no cinema uma guerra perdida na vida real.

Top Gun, de 1986, acompanha Tom Cruise derrubando odiados Migs soviéticos. Em Rambo II, A Missão (1985), Sylvester Stallone segue os passos de John Wayne até o Vietnã para arrancar prisioneiros estadunidenses das odiadas garras vietnamitas.

Rambo fará algo ainda melhor. Em 1988, chegará ao Afeganistão para, ao lado dos mujahedin, tornar-se o terror dos russos. Ou seja, vai encarar os vermelhos tendo Osama Bin Laden como aliado.

Até então, os terroristas que, mais tarde tomarão o poder como talibãs, são gente como a gente.

Aos poucos, surge outro pessoal digno de ser odiado: os árabes. Em De volta para o futuro (1985) os líbios querem matar o herói. No ano seguinte, os palestinos e libaneses são os vilões em Comando Delta. Em True Lies (1994) terroristas árabes ameaçam Arnold Schwartznegger. Compromisso de Honra (2000) coloca soldados norte-americanos impondo respeito no Iêmen.

Também sobra para os latinos. Clint Eastwood desembarca com os marines na pequena ilha de Granada, no Caribe. É O destemido senhor da guerra (1986). Em Batman Ressurge (2012), o arquivilão é o hondurenho Bane.

Mudando um tanto o foco, Atrás das linhas inimigas (2001) caça os sérvios. É a guerra nos Balcãs.

Agora, os russos experimentam sua terceira onda de ódio. Tão vasta que cancela desde o balé Bolshoi a Dostoiesvski passando por Tchaikovsky e o estrogonofe.

Com Vladimir Putin sendo descrito como uma encarnação mais cruel de Darth Vader, esperem só o que aprontará Hollywood.

A demonização de Vladimir Putin pelas principais revistas europeias começou em 2010, com a eleição do líder pró-Rússia, Viktor Yanukovych, para presidente da Ucrânia. Talvez até os nazistas voltem a ser legais.

*Ayrton Centeno é jornalista, trabalhou, entre outros, em veículos como Estadão, Veja, Jornal da Tarde e Agência Estado.)